segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

O brasileiro que fez a América

O empresário Jorge Paulo Lemann virou uma lenda no Brasil. Com as aquisições da Budweiser, do Burger King e da Heinz, ele começa a fazer história também nos Estados Unidos.

Por Ralphe MANZONI Jr.
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Assista à entrevista com o editor de negócios, Ralphe Manzoni Jr.

Logo após vender o banco Garantia para o Credit Suisse First Boston, em 1998, o empresário Jorge Paulo Lemann jantou, em Boston, com o lendário investidor americano Warren Buffett. Na ocasião, Buffett quis saber como Lemann se sentia em relação à venda de seu negócio, que havia literalmente quebrado em razão da crise asiática. “Estou bem, mas quero tentar ser mais Warren Buffett e menos Sandy Weill, Jon Corzine ou John Reed (chefões, respectivamente, do Travelers, Goldman Sachs e Citibank)”, respondeu o brasileiro. O oráculo de Omaha, como Buffett é conhecido, quis saber a razão. “É que você tem mais senso de humor, mais domínio sobre o tempo e é mais rico”, disse Lemann. 
 
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Jorge Paulo Lemann: ele já foi chamado de o "Buffett" brasileiro. Aos 73 anos, seu apetite
por aquisições de grandes marcas parece não ter fim. Qual será sua próxima tacada?
 
O megainvestidor, então, tirou uma agenda cheia de páginas em branco do bolso e concluiu. “Veja como sou rico. Olhe quanto tempo tenho para fazer o que quero, quando quero.” Dessa conversa, Lemann, que já era dono da Lojas Americanas e da cervejaria Brahma, no Brasil, consolidou sua vocação de empreendedor. Por quase 30 anos, ele fora reconhecido como o mais influente e genial financista brasileiro. A partir de então, era a hora de aprofundar suas tacadas na economia real, especialmente na área de consumo. “Pensar pequeno e pensar grande dá o mesmo trabalho”, costuma dizer Lemann, no que se tornou em um de seus mantras mais conhecidos. 
 
Em meados de fevereiro deste ano, 15 anos depois daquele jantar, Lemann, 73 anos, e Buffett, 82 anos, se juntaram para fazer seu primeiro negócio em comum: a compra da fabricante de condimentos americana Heinz, em uma transação de US$ 28 bilhões. Trata-se de uma aliança poderosa. Buffett é dono da quarta maior fortuna do mundo, avaliada em US$ 53,8 bilhões, de acordo com o ranking da Bloomberg. Lemann é o homem mais rico do Brasil, com US$ 19,9 bilhões, patrimônio que se multiplicou por quatro nos últimos seis anos, período em que começou a caçar ícones da economia americana. O primeiro símbolo arrematado por Lemann foi a Anheuser-Busch, dona da cerveja Budweiser, em um negócio de US$ 52 bilhões, que criou a AB InBev, maior cervejaria do mundo em 2008. 
 
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Mais ketchup: William Johnson (à esq.), CEO da Heinz, e Alexandre Behring, da 3G Capital,
anunciam a compra da Heinz, nos EUA. Negócio de US$ 28 bilhões
 
Na sequência, comprou a rede de fast-food Burger King, combalida por problemas financeiros. Pagou US$ 4 bilhões, em 2010. Hoje, a BK já vale mais de US$ 6 bilhões. Desta vez, foi a marca mais tradicional de ketchup dos Estados Unidos. “Não conheci até hoje um grupo que administra empresas tão capaz como o formado, nos últimos anos, por Jorge Paulo Lemann no Brasil”, disse Buffett, logo após o anúncio da compra, referindo-se ao 3G Capital, fundo formado por Lemann e seus parceiros inseparáveis, Marcel Telles e Beto Sicupira. “Ele tem sido incrível.” Mais do que incrível, Lemann está mais uma vez fazendo história. O empresário já era uma lenda no Brasil, em razão do Banco Garantia, da Lojas Americanas e da fusão da Brahma e Antarctica. 
 
Agora, ele está se transformando em uma das figuras centrais do capitalismo americano. É verdade que, nos últimos anos, as empresas brasileiras avançaram sobre a terra de Tio Sam. O frigorífico Marfrig, por exemplo, comprou a Keystone Food, maior fornecedora de carnes do McDonald’s. A Gerdau é a maior produtora de aços longos dos EUA. A Braskem também conta com petroquímicas em solo americano. A Eco-Energy, terceira maior distribuidora de etanol de lá, pertence à Copersucar. Mas só Lemann, Telles e Sicupira são donos de marcas consideradas símbolos, que estão presentes na casa e na dieta de quase todo consumidor americano. O trio, é claro, enfrenta resistências por suas tacadas nos EUA. 
 
A revista de negócios Bloomberg BusinessWeek, em uma reportagem em que dizia que a AB InBev estava destruindo a cerveja americana, zomba do brasileiro Carlos Brito, o CEO da cervejaria, forjado nos barris da meritocracia da Brahma, nos anos 1990. No texto, a revista diz que Brito se veste como um operário em uma loja de ferragens, com jeans e camisa, o traje típico do mundo Lemann, onde a informalidade e o despojamento dão o tom. O governo americano tentou barrar a compra da mexicana Modelo pela AB InBev, alegando concentração de mercado – a fusão foi salva em um acordo de última hora em meados de fevereiro. Para alguns, o governo americano agia não só para defender a competição, mas também por motivos políticos.
 
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Warren Buffett: "Não conheci até hoje um grupo que administra empresas
tão capaz como o formado por Lemann"
 
SANTÍSSIMA TRINDADE É impossível escrever sobre Lemann sem reconhecer a importância de Telles e Sicupira na trajetória do empresário brasileiro. Os três agem como se fossem apenas um corpo e uma mente – a santíssima trindade do empreendedorismo nacional. Mas só quem os conhece há muito tempo é capaz de ver as diferenças. Com a palavra Luiz Cezar Fernandes, sócio de Lemann no banco Garantia e mais tarde fundador do rival Pactual. “O Jorge Paulo é o estrategista. O Beto monta as equipes e a estrutura. E o Marcel é voltado ao ope­racional, ao dia a dia”, diz Fernandes. “É um trio perfeito, que se complementa.” Os três se conhecem desde os anos 1970, quando Lemann criou a corretora Garantia. Telles começou a trabalhar lá em 1972, aos 22 anos. 
 
Sicupira foi contratado um ano depois. Lemann é o mais introspectivo do trio. “Em uma reunião, ele parece um antropólogo em uma tribo de índio”, diz uma fonte que trabalhou com ele e não quis se identificar. Segundo essa fonte, Lemann costuma ficar calado, na maior parte do tempo, apenas observando. Muitas vezes aparenta estar desatento. “Ele estica as pernas e você acha que está cochilando”, diz Wilson Poit, que era dono da empresa de energia Poit, apoiada pela Endeavor, associação não governamental de incentivo ao empreendedorismo trazida ao Brasil por Lemann, Telles e Sicupira. Mas quando fala, percebe-se, na verdade, que estava concentrado na discussão. Suas intervenções, em geral, são curtas, mas precisas. 
 
“Ele tem a capacidade de ver a floresta em vez das árvores”, diz José Olympio Pereira, CEO do Credit Suisse, que trabalhou por 13 anos no Garantia. Nascido no Rio de Janeiro, Lemann tem forte sotaque carioca e um timbre de voz firme, modulado sempre no mesmo tom, sem se exaltar ou ressaltar demasiadamente alguma palavra, com exceção de seus efusivos e estridentes “bom dias” dados a quem encontra pela frente, nos escritórios de suas empresas – da faxineira aos diretores. Fala inglês fluentemente e quase sem sotaque. Afinal, sempre estudou na Escola Americana do Rio de Janeiro. Aos 17 anos, foi para Harvard, nos Estados Unidos. 
 
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A mítica universidade americana de Boston foi fundamental para forjar o empresário que Lemann se tornaria. Em um depoimento no ano passado na escola de negócios Insper, em São Paulo, Lemann contou que passou o primeiro ano pelo campus odiando tudo. “No Brasil, jogava muito tênis e surfava muito”, disse ele para uma plateia de pessoas interessadas em estudar em Harvard. “Nos EUA, morria de frio e tinha saudades da praia.” (Uma rápida pausa. Lemann foi pentacampeão brasileiro de tênis. Ganhou os títulos de 1968, 1969, 1971, 1974 e 1975. Além disso, disputou a Copa Davis pelo Brasil e pela Suíça, a nacionalidade de seu pai e o país onde vive atualmente. 
 
“Ele era superconcentrando e não desistia nunca”, diz o ex-tenista Roberto Marcher, autor do livro O tênis no Brasil. Outra paixão é o surfe. Ele se considerava um dos melhores surfistas do Rio de Janeiro, nos chamados Anos Dourados, nas décadas de 1950 e 1960). No final de seu primeiro ano em Harvard, ele foi flagrado jogando uma bomba para fora da janela de seu dormitório. Quando voltou de férias ao Rio de Janeiro, sua mãe havia recebido uma carta recomendando que não voltasse para Boston. Mas como não era uma proibição, mas sim uma recomendação, resolveu que completaria o curso em dois anos, em vez dos três que lhe faltavam. 
 
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Para cumprir seu objetivo, desenvolveu um método simples: passou a entrevistar alunos e professores que haviam feito o curso. Descobriu também que as provas antigas ficavam guardadas na biblioteca, e principalmente, as questões, muitas vezes, eram repetidas em testes futuros. “Passei de pior aluno, para um dos melhores.” E principalmente: conseguiu atingir sua meta, formando-se no prazo proposto. Esses três anos foram fundamentais em sua formação. “A minha visão do mundo se alargou”, afirmou ele. “Os meus sonhos, que eram ganhar o campeonato de tênis e pegar ondas gigantes, passaram a ser maiores. Passei a sonhar grande.” A única coisa que não aprendeu em Harvard, segundo ele próprio, foi correr riscos.
 
A TURMA DA MERITOCRACIA Ao longo de sua trajetória empresarial, Lemann correu muitos riscos. E, como tudo na vida, ganhou e perdeu. Mas seus fracassos, como a derrocada do Garantia, foram esquecidos. Suas vitórias, até hoje, são amplamente celebradas. Seu legado, mais do que as empresas que construiu e comprou, será o estilo de gestão que implementou nos seus negócios a partir do Garantia. No começo dos anos 1970, ele derrubou as paredes da hierarquia, tornou jovens brilhantes que trabalhavam no banco em sócios e promoveu a meritocracia como uma religião. Muitas dessas coisas já tinham sido feitas antes. 
 
O reconhecimento do trabalho dos melhores funcionários, por exemplo, foi baseado na cultura do banco americano Goldman Sachs. Copiar, no entanto, não era um problema para o jovem Lemann. “Você tem de se preocupar com a inovação”, disse ele, certa vez. “Mas se tem alguém fazendo bem, melhor não gastar muito tempo procurando como fazer. Vai lá, olha e adapta à sua maneira.” Quando comprou a Lojas Americanas, em 1982, Lemann, assim como os seus parceiros, não entendia nada de varejo. Mandaram cartas para os maiores varejistas do mundo, pedindo a oportunidade de conhecer seus negócios. Dois responderam. Um deles era ninguém menos do que Sam Walton, o legendário fundador do Walmart, que os convidou a conhecer a sede em Bentonville, no cafundó do Judas que era o Arkansas naquela época. 
 
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Lemann viajou com Sicupira e trouxe para o Brasil tudo o que podia do modelo de negócios da família Walton. Foi de lá que absorveu a cultura da simplicidade e da informalidade. Fez assim com todos os seus negócios, inclusive a Brahma, comprada em 1989. Nesse caso, a inspiração foi a Anheuser-Busch, que ironicamente passou a fazer parte de sua coleção de ícones americanos duas décadas depois. Outro valor fundamental de Lemann é a busca obsessiva pelo corte de custos nos mínimos detalhes, institucionalizada num instrumento de gestão, o Orçamento Zero, que a cada início de ano submete os gastos a um pente fino. “Ser paranoico com custos e despesas, que são as únicas variáveis sob nosso controle, ajuda a garantir a sobrevivência no longo prazo”, diz o texto de um dos mandamentos da cultura do Garantia. 
 
O Burger King é um bom exemplo dessa receita impiedosa. Nas primeiras semanas após a aquisição, o quadro global da companhia foi reduzido em 40%. Os resultados já começam a aparecer. No quarto trimestre de 2012, o lucro cresceu 94%, chegando a US$ 48,6 milhões. Esse desempenho foi alcançado graças à redução de despesas. Elas passaram de US$ 351,3 milhões para US$ 161,2 milhões, uma queda de 41% no período. A cultura do Garantia, por esses motivos, espalhou-se como um vírus no ambiente empresarial brasileiro. É possível encontrar as digitais de Lemann, Telles e Sicupira em uma centena de companhias no País, como a Gávea, de Armínio Fraga. 
 
A cartilha da meritocracia e de corte de custos é seguida por uma série de empresários de alto calibre, como André Esteves, do BTG Pactual, que cresceu no ambiente ultracompetitivo do Pactual, de Luiz Cezar Fernandes. As empresas que recebem investimentos do GP Investimentos, que foi de Lemann, seguem essas diretrizes. Em 20 anos, foram 51 companhias. Entre elas, a curitibana ALL, de logística, de onde saíram Alexandre Behring, sócio e principal executivo do 3G Capital, e Bernardo Hees, que comanda globalmente o Burger King. Não são apenas as grandes companhias que se inspiram nos exemplos de Lemann. Por meio da Endeavor, ele, junto com Telles e Sicupira, ajudou pequenas empresas a perseguir seus sonhos. 
 
“Pensar pequeno e pensar grande dá o mesmo trabalho.
Mas pensar grande te liberta dos detalhes insignificantes”
 
As companhias apoiadas pela organização não governamental ganham “coaching” do trio. Lições que elas consideram valiosas e ajudam-nas a tomar decisões difíceis. A empresa de internet Arizona, por exemplo, recebeu uma proposta de R$ 117 milhões de um rival muito maior, no fim de 2010. “Era um dinheiro para os meus netos viverem tranquilos”, diz Marcus Abdo Hadade, sócio da Arizona. Depois de ouvir seus mentores, ele decidiu não vender. “Eles me disseram: por que você não trabalha para comprá-la?” Não foi o que fez Wilson Poit, da Poit Energia, que também é apoiada pela Endeavor. No ano passado, ele vendeu sua empresa para a rival Aggreko, por R$ 400 milhões. 
 
Recebeu diversos e-mails de empresários que colaboram com a ONG, como o de Laércio Cosentino, dono da empresa de software Totvs. Em todas as mensagens, os remetentes parabenizavam-no pelo negócio. Menos Lemann. Ao seu estilo curto, direto e objetivo, ele perguntou: “Quem você vai comprar agora?” Depois de adquirir três gigantes americanos, alguém duvida que o caçador de ícones não está atrás de seu próximo negócio? Será a Disney, a Coca-Cola ou a Pepsi? O apetite de Lemann não tem fim. Afinal, ele pensa e sonha grande – cada vez mais. Não por acaso, há poucos dias foi chamado pelo britânico Financial Times, um dos jornais de economia mais influentes do planeta, de “o Buffett brasileiro.” Quer mais? O insaciável Lemann, certamente quer. 
 
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